Se em 2020, a palavra da vez do BBB era machismo, na edição deste ano é cancelamento. As participantes Lumena Aleluia e Karol Conká protagonizaram momentos que mostram como o cancelamento funciona na prática.
O que é o cancelador? Para Tiago Leifert, apresentador do Big Brother Brasil, o cancelador é aquele que “céu se abre e ele desce para ensinar você, de cima para baixo, como você deve viver a sua vida, o que você deve fazer, onde você errou e por que ele é melhor do que você”. Pra mim, também.
Se eu pudesse resumir o cancelador em uma imagem, eu resumiria nesta:
Participante do BBB 21, Lumena, no momento exato em que desceu do céu para apontar o dedo à participante Juliette. Reprodução: Globoplay
O cancelamento é milenar. Eu diria que Adão e Eva foram cancelados por Deus e por isso, a humanidade foi fadada a ser julgada pelos seus erros até o fim. Dentro de nós, há três pessoas: as que gritam “crucifica-o”, as que lavam as mãos e as que são crucificadas. Mas quando você se expõe, 24 horas ao dia, durante 100 dias, para quase 300 milhões de brasileiros, tudo fica ainda pior.
O Big Brother Brasil é, por essência, um reality de julgamento. Alguém vai dizer: “não, é para analisar o comportamento de seres humanos em situações extremas”.
E o que é análise se não um julgamento? Estamos espiando e julgando há 21 anos.
Durante as 21 edições, o público já julgou, aprovou e desaprovou o comportamento de 327 pessoas. Muitas delas, a gente nem sequer lembra o nome ou o rosto. Mas julgamos. Premiamos e eliminamos com rejeição.
A maior rejeição foi a deste ano. O comediante Nego Di foi eliminado com 98,76% dos votos. E recebeu a informação com um olhar que me cortou o coração. Eu julguei ele durante três semanas, mas o “uhum” que ele exprimiu ao receber a notícia que tinha sido o maior rejeitado da história do reality no Brasil me deixou triste. Contribuí para isso.
Com vocês, Nego Di no estúdio do #BBB21! Tiago Leifert questionou a ele sobre o motivo pelo qual ele acha que teve o recorde de votos. #BBB21 pic.twitter.com/S7HaCHIqVD
— No Instante – A Informação Agora (@NoInstante_n10_) February 17, 2021
Quando a pandemia do coronavírus nem era uma pandemia e havia poucos casos da doença no país, a irmã da blogueira fitness Gabriela Pugliesi se casou. Até aí tudo bem. Mas, entre os 500 convidados, havia um infectado e o resultado você já pode imaginar, né? Aos poucos, começaram a pipocar casos relacionados ao casamento. E claro, respingou na Pugliesi, que foi cobrada por ser uma pessoa pública.
Pouco mais de um mês depois, Mari Gonzalez, participante do BBB 20, foi eliminada da competição. Ela é amiga próxima da Pugliesi, que resolveu fazer uma reunião para recebê-la. A festinha era para poucas amigas. O cenário já não era o ideal, mas elas tomaram a decisão de postar TODA a festa, a bebedeira e a comemoração em um momento que a sociedade brasileira ainda aprendia a lidar com o vírus.
E uma frase foi o que mais chamou a atenção dos internautas. Em um story, Gabriela Pugliesi solta:“Fod*-se a vidaaaaaaaaaa” (veja aqui). O completo desprezo pela vida e a falta de noção pelo contexto em que vivíamos (e vivemos) foi a gota d’água para que ela perdesse seguidores, tivesse contratos cancelados e precisasse fechar o perfil.
Meses depois, pediu desculpas a todos por meio de um vídeo em seu Instagram.
Gabriela Pugliesi era adulta quando cometeu esse erro e foi cancelada. Veja, eu não estou aqui para dizer se o cancelamento está correto ou não. Neste texto, quem julga é você ;).
Em 2016, a Youtuber e atriz Viih Tube tinha 15 anos. Em um ato infeliz, maltratou um gatinho. E, CLARO, ela gravou o ato e postou. Mais uma vez, a internet foi implacável: cancelada. Massacrada. Friso a idade dela: 15 anos. Foi agredida por um homem adulto na rua.
Ela foi tão cancelada que, neste ano, quando foi anunciada como participante do BBB 21, os termos “cuspe” e “gato” (relacionados à ação dela) apareceram rapidamente nos Trending Topics do Twitter. Eu mesma não conhecia o rosto dela, nem seu trabalho, mas sabia sobre a situação… Provavelmente, por saber que essa história viria à tona, ela se adiantou e gravou um vídeo para desabafar pela primeira vez sobre a situação. Assista aqui.
Outro cancelamento famoso foi o do cantor Mc Gui, que em 2019 postou um vídeo zombando de uma criança na Disney. “Parece filme de terror”, ele afirmou. O desconforto da criança é visível e ainda assim, ele seguiu filmando e rindo. Claro, foi cancelado e perdeu contratos. Há poucos dias, o Fantástico relembrou a história em uma reportagem especial sobre o tema.
Na linha dos participantes do BBB, Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, também foi cancelada após debochar do movimento feminista em uma briga dentro do reality: “o que é isso, um filme?”, ela perguntou ao mencionar que as outras participantes decidiram se unir contra os homens da casa. O motivo: eles criaram um plano para seduzi-la e seduzir a participante Mari Gonzalez para que elas, que tinham relacionamentos fora da casa, tivessem suas reputações queimadas ao olhar do público.
Bianca foi a primeira mulher eliminada naquela edição, com mais de 70% dos votos. E, em menos de dois dias, ela perdeu 400 mil seguidores no Instagram. Eu já comentei sobre o assunto em outro texto, leia aqui.
Há quem diga que o cancelamento é uma cultura. Que estamos prontos para cancelar e descancelar uma pessoa a qualquer momento. Por qualquer erro. Ano a ano. renovamos a assinatura de cancelamento de celebridades e subcelebridades.
Também há quem diga que o cancelamento é algo natural. Afinal, na vida, nos afastamos e nos reaproximamos das pessoas com base em suas falhas. Esse afastamento na internet é o unfollow. E, como um movimento natural, há a cobrança do público para que as marcas também se afastem dos influenciadores que cometem erros.
Ora, mas não cometemos todos? Aí que entra o brilhinho do cancelador: para cancelarmos, precisamos manter nossa postura ilibada. Livre de equívocos. Uma perfeição. Só assim, poderemos descer dos céus para apontar nosso dedo em riste àqueles que erram…
O BBB deste ano nos mostrou que, quanto mais canceladores somos, mais cancelados seremos. As participantes Lumena Aleluia e Karol Conká estão, desde o primeiro dia de reality, com os dedos apontados a todos da casa. Aos participantes, elas são vistas como gurus. Todos os dias, alguém as pergunta como deve agir ou falar para não ofender alguém aqui fora. E um a um, ao saírem, percebem que, ao público, a maior ofensa são justamente elas.
Dentro da casa, as duas são as canceladoras. Fora da casa, são as canceladas. Karol Conká conseguiu a proeza de ser a única participante da história do reality a perder mais seguidores do que ganhou depois que entrou na casa. Ao ser anunciada como uma das participantes, ela tinha 1,5 milhão de seguidores. Chegou a marca de 1,8 milhão e hoje está com 1,2 milhão. Boas e más línguas dizem que a equipe dela está comprando seguidores.
Reprodução: Globoplay
O comportamento dela com o participante Lucas Penteado também foi completamente reprovável. Ao se desentender com ele, ela convenceu a casa toda a excluí-lo, xingá-lo e maltratá-lo. Em duas semanas, ele não suportou o clima e desistiu do reality. É importante ressaltar que esse comportamento de perseguição que ela transmitiu ao Lucas, também foi repetido para com outros participantes do reality.
Ela nos oferece um exemplo tangível de como o cancelamento funciona: uma pessoa erra, outra percebe e aponta o erro; e milhares repetem esse comportamento até isolar completamente aquela que errou.
Reações dos participantes Juliette, Lucas, Carla, Arcrerbiano, Sarah e Camilla após serem perseguidos e humilhados por Karol Conká dentro da casa. Reprodução: Globoplay
Já Lumena, que fora da casa é psicóloga, tem se mostrado uma pessoa que não sabe ouvir. Ela costumeiramente revira os olhos e age com agressividade ao receber uma crítica. Só ela critica. Só ela pode dizer aos outros como agir, como falar, como se portar, a quem se aliar.
O meme “Lumena não autorizou” tem sido cada vez mais usado. Afinal, só podemos agir depois que ela permite.
Lumena não autorizou este texto. Mas eu fiz mesmo assim. Créditos: Bic Müller
Será que, ao cancelar a Lumena, nos tornamos todos Lumenas? Eu espero que não. O que você, leitor-juiz, diria?
E para finalizar, refaço a pergunta: se te vissem 24 horas por dia, durante 100 dias, você seria cancelado por qual motivo?